21 junho, 2007

o único significado oculto das coisas é elas não terem significado oculto nenhum

Este post é a respeito da discussão de assuntos sociais e políticos sempre com referência a teorias literariamente suportadas ou modelos teóricos doutrinais. Ontem na caixa de comentários do post anterior sobre a Palestina e Fatah, um leitor referiu que: “Só há uma via.
Despojar-se dos filtros ideológicos, recusar visões religiosas do mundo e estudar os assuntos”.

Por paradoxo, começo esta mensagem com uma citação: “o único significado oculto das coisas é ela não terem significado oculto nenhum” de Fernando Pessoa.

A realidade social é complexa, e analisável sob o filtro de n disciplinas sociais e humanas.

Também o é por algumas ciências exactas tais como a matemática ou a biologia. Mas estas formas de estudo são parciais, reduzidas a contextos precisos e no âmbito das relações humanas limitadas a estatística, ou estudo do ecossistema.

A psicologia, salvo raras excepções, tais como o estudo do processo cognitivo, permanece uma probabilidade de certeza em constante mutação de conclusões sobre como e porque se motiva o ser humano.

A sociologia, igualmente subjectiva, embora apoiada pela matemática, a história, do mesmo modo, a economia, bastante mais racional e concretamente modelada é também dominada na acção por agentes irracionais que inviabilizam a precisão acertada do comportamento. Em ciências sociais, a surpresa é uma possibilidade permanente.

No que diz respeito às ciências sociais e humanas, há praticamente tantas visões quantos autores. Estes, embora tenham ao dispor níveis de informação como nunca antes, citam-se, recitam-se e intercruzam-se assentando em doutrinas, correntes e edifícios subjectivos que envolvem alguma crença ou aquilo que na matemática se chama axioma. - De modo a conseguirmos elaborar um “edifício racional”, partimos do princípio que algo que consideramos “fundação” é sólido e verdadeiro.

Tudo ler, tudo conhecer, tudo saber, é uma impossibilidade, mesmo que pretendamos começar a estudar o todo disponível e tivermos tempo de vida para isso. A produção de novo conteúdo por novos autores ou em novos livros, será maior do que a capacidade de leitura e estudo que tivermos individualmente, capacidade para processar.

Os livros sociais e políticos, considerados absolutamente fundamentais na nossa cultura ocidental, são na realidade bastante poucos. Com variações possíveis: Ilíada e a Odisseia, Inferno de Dante, Maquiavel, Sun Tzu, a Bíblia, Alcorão, A República de Platão, Nietzsche, Marx, Adam Smith, Hegel, Kant, Descartes, e alguns outros que dependerão do gosto e percurso de cada um. Todos juntos, os livros fundamentais poderão ser uma trintena no máximo.

Se na pirâmide das citações, fosse possível, “caminhar para trás”, a partir dos livros e obras mais recentes, de algum modo, chegaríamos a um clássico por referência da referência da referência.

A maior parte das pessoas não terá lido os trinta livros mencionados.

Dos dirigentes mundiais, quantos % leram os trinta?

A acção, principalmente a política, por parte do homem pode ser controlada por motivos simples e decidida por razões simples. Aquilo que “parece é” poderia dizer-se da maior parte dos actos e decisões políticas. Estes são motivados pelo interesse directo do agente político, e não por qualquer motivação misteriosa, profundamente reflectida com base em um qualquer edifício muito complexo.

Como conclusão, nem o saber enciclopédico chegará, pois é potencialmente infinito e portar-nos-á a elaborações extra-reais, nem o saber empírico, porque a reflexão sobre experiência já está disponível, principalmente dos clássicos, está disponível, não faz sentido desperdiçá-la e é “necessária”.

O “encicloempírico”, usando a bagagem que vamos construindo, acumulando, talvez seja suficiente, para avaliarmos, opinarmos e até estarmos “certos” com alguma e razoável probabilidade sobre a realidade social e humana. E isto podemos fazer todos e qualquer um de nós.

Chegarmos à conclusão de que “outros”, têm motivações, princípios de acção ou condutas que nos são impermeáveis, mesmo sem estarmos a viver na primeira pessoa as situações que avaliamos, traz o risco de perdemos prática da nossa capacidade crítica, qualidade essencial em democracia.

Claro que a visão é pessoal e humana. Claro que estará certa com probabilidade e sem certeza.

Mas não será preferível errar na intervenção, que acertar calando e permitindo o erro de outros que se podem assumir “donos da verdade” em matérias sociais, históricas, humanas e políticas que nos dizem respeito?


"Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as coisas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender"
Alberto Caeiro

1 comentário:

Anónimo disse...
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